Fornjot

Viviam-se tempos atribulados na Via Láctea. Milhares de milhões de anos passaram e o sol estava cansado, mas ao contrário dos homens, brilhava mais. Estava gordo e vermelho como um Pai-Natal. Brilhava tanto que cresceram árvores em Fornjot, uma lua de Saturno. Matilde achava aquele fenómeno maravilhoso. Deitada na delicada mas venenosa relva rosa de Fornjot, olhava para os espaços entre as ramagens e trincava os lábios à cor laranja dos frutos aí suspensos. De repente, um pequeno bicho, semelhante aos nossos esquilos, saltou entre uma e outra árvore, parando por um momento para olhar para ela. Matilde acenou-lhe. Era o seu sonho de menina e ali, onde as coisas eram puxadas para o chão, tudo parecia verdadeiramente mágico.
Matilde completou há alguns dias a universidade. O seu desejo de recém-licenciada era visitar Fornjot, algo proibido até há pouco tempo atrás, mas ali estava. Continuava a contemplar cada pedaço daquele pequeníssimo satélite com fascínio. Queria lembrar-se de tudo, das flores que cobriam grande parte da planície e da habilidade com que a luz vermelha se fundia com as pétalas transparentes para se multiplicar num arco-íris. Queria lembrar-se que ao fundo existia uma pequena colina tingida de vermelho, como os vulcões em erupção. Tudo era importante, mesmo a sombra que cobria as costas da sua mão ou o som da brisa, puxando os seus cabelos para a frente do rosto. É fácil, quando temos treze anos, guardar todos estes detalhes. Especialmente se faltar pouco tempo para morrermos.
Era talvez por isso que Matilde não podia ser inteiramente feliz. O mundo estava a acabar. Não só a terra, já engolida pela cintura do sol, mas também as luas de Júpiter, os asteróides, os cometas e os anéis de Saturno, tudo isso iria desaparecer. Incluindo ela.
A pequena Matilde acabou a universidade numa nave espacial. Deu um beijo mal saboreado e aprendeu a cozinhar. A Matilde tinha muitos dons, mas o universo é infinito e despreocupado.
A verdade é que os sóis não morrem, perpetuam-se. Quando estão muito velhos incham e os que não explodem, transformam-se num nevoeiro cuja luz percorre todo o universo, para sempre, contado a história daquele funeral.
Matilde não era inteiramente feliz, sabia que a sua existência deixaria de ser verdade em breve, mas tomava conforto na distância das coisas. Ela sabia que nalgum lado e ao longo do tempo, será sempre Hoje. Muitos milhares de anos depois, aquele dia ainda estará a acontecer e todos os que espreitarem por um telescópio, à procura de uma estrela em suicídio, poderão encontrá-la deitada, junto das enormes árvores de Fornjot, a acenar, porque aquele dia aconteceu, e tal como o sol, também é perpétuo.