1971

Esta rua não é a minha.
Tem as mesmas janelas,
a mesma vida, a mesma calçada desenhada,
mas é decerto outra rua qualquer.
A idade pesa e é decerto outra rua qualquer.

Continuo o caminho.
Nos vidros há reflexos
que têm as minhas rugas,
as minhas mãos, os meus olhos e os meus sonhos,
mas não sou eu.
É decerto outro qualquer.

Agora há um rapaz que me olha
do fundo da rua.
Avança com os meus passos,
fala e gesticula nervoso,
os gestos são os mesmos dos meus,
mas este rapaz que grita ser filho
não é meu.
O meu filho ainda não nasceu.


*Hoje, na Rua Direita, em Viseu, a polícia parou a rua tentando
acalmar um homem de idade, muito bem aprumado. Estava confuso e a rua
foi murmurando a sua história. Eu, sem que me chegasse perto ouvi:
"Tem alzheimer e hoje nem reconhece o filho".